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Misofônica

3/7/2023


No ruído incessante das salas de aula, desenrola-se uma batalha silenciosa, imperceptível aos demais. Uma garota carrega consigo a condição da misofonia, uma hipersensibilidade auditiva que transforma até os sons mais sutis em tortura angustiante. Cada riso, tosse ou mastigação ao seu redor é como uma agulha afiada cravada em seus ouvidos, mergulhando-a em uma profunda aflição. Enquanto se esforça para se concentrar nas lições, a cacofonia invasiva enche sua mente, minando sua capacidade de aprendizado. Em casa, a situação não é diferente. Os sons do dia a dia se transformam em tormento, convertendo as refeições em um campo minado e mesmo as conversas mais triviais em uma fonte inesgotável de dor. Assim, a protagonista enfrenta um sofrimento constante, buscando refúgio em ambientes silenciosos ou nos fones de ouvido, que, ao abafar os ruídos com suas músicas preferidas, lhe proporcionam um alívio temporário. A cada dia, ela trava uma batalha entre o desejo de se integrar socialmente e a necessidade de se proteger das sinfonias dissonantes que a cercam, tornando-se uma guerreira silenciosa em meio a um mundo ensurdecedor.

Hoje, no agitado ambiente escolar, onde as vozes se misturam e os risos ecoam pelos corredores, encontra-se a garota em busca de seu refúgio sonoro. Entre as fileiras de carteiras desalinhadas e o tilintar constante das canetas, ela se afunda em seu próprio mundo particular, isolada dos ruídos caóticos que permeiam o ambiente. Com os fones de ouvido ajustados no volume máximo, ela cria uma bolha sonora que abafa os ruídos ao seu redor, transportando-a para um universo paralelo, onde melodias intensas e batidas vibrantes se tornam sua trilha sonora diária. Enquanto o caos do ambiente escolar persiste, ela busca encontrar a paz no meio desse turbilhão, envolta pela música que preenche sua mente e acalma sua alma.

A professora observou com desaprovação a aluna no fundo da sala, completamente imersa em sua bolha sonora particular. A garota se isolava dos demais por meio dos fones de ouvido, que emitiam música em um volume ensurdecedor. O som escapava dos fones e podia ser ouvido a uma certa distância, criando uma redoma sonora ao seu redor. A professora aproximou-se cautelosamente, sentindo uma mistura de frustração e preocupação. Ela notou o rosto tenso da garota, os olhos fixos na tela do celular, que se movimentavam rapidamente, acompanhando o ritmo da música. Era como se a música a transportasse para um lugar distante, distanciando-a completamente da realidade da sala de aula. Ao fundo, o som incessante de uma caneta batendo repetidamente na mesa ecoava.

Decidida a intervir, a professora aproximou-se da aluna com cuidado, evitando assustá-la em seu mundo sonoro. Ela tocou suavemente o ombro da garota, na esperança de trazê-la de volta ao ambiente escolar. A garota pareceu surpresa ao perceber a presença da professora ao seu lado, mas seu rosto expressou uma mistura de resistência e relutância em deixar sua zona de conforto. A professora manteve uma expressão séria, buscando transmitir sua mensagem sem parecer hostil.

Enquanto isso, sem desconfiar dos pensamentos que se passavam na mente da aluna, a professora respirou fundo, ciente do desafio que teria pela frente. Ela sabia que precisaria encontrar um equilíbrio entre a necessidade da garota de se proteger dos sons avassaladores e o objetivo de proporcionar um ambiente de aprendizado inclusivo para todos. Com paciência e compreensão, ela pediu à aluna para desligar os fones de ouvido e retirá-los, esperando que esse fosse o primeiro passo em direção à plena inclusão na dinâmica da sala de aula.

“Desculpe interromper sua sessão musical, mas é hora de se concentrar nos estudos. Por favor, desligue seus fones de ouvido e retire-os.” - a professora dirigiu-se à garota com um tom autoritário, enquanto puxava os fones pelo fio.

“Mas, professora, eu... Eu tenho misofonia. Os sons ao redor são insuportáveis para mim.”

“Eu entendo que você possa ter sensibilidade auditiva, mas é importante que todos os alunos participem das atividades da sala de aula. Precisamos fazer a lição agora, e você também precisa desligar os fones.”

A aluna suspirou resignada, ciente de que não havia escapatória. Ela desligou o aparelho lentamente e guardou os fones de ouvido. Enquanto isso, um dos alunos próximos continuava a bater insistentemente sua caneta na mesa, gerando um som repetitivo que ressoava nos ouvidos sensíveis da garota. Ela fechou os olhos, buscando bloquear o incômodo, mas a angústia era evidente em seu rosto.

Enquanto se resignava perante a professora, a ansiedade se manifestava em seu corpo. Suas mãos tremiam levemente, e ela sentia uma tensão desconfortável nos ombros. Uma sensação de opressão no peito parecia sufocá-la, e seu coração batia descompassadamente. As pernas inquietas se moviam involuntariamente, incapazes de encontrar uma posição confortável. Era como se cada ruído ao seu redor provocasse uma reação física imediata, intensificando suas sensações de angústia.

“Por favor, pare de bater a caneta... Isso está me incomodando muito” - ela solicitou, com uma expressão de apelo.

“Desculpe, eu não sabia. Eu paro imediatamente” - respondeu o aluno, continuando a bater a caneta com um sorriso impertinente.

“Ah, como você é fresca!” - replicou outra aluna.

Apesar do desconforto, a garota tentou se concentrar na tarefa à sua frente, lutando contra os ruídos que agora inundavam o ambiente. A sala de aula se tornou um desafio diário para ela, um campo minado de sons que a desestabilizavam. No entanto, com determinação, ela continuou a enfrentar a misofonia, buscando formas de superar as adversidades e aprender a conviver em um mundo onde o silêncio era escasso e o barulho era inevitável.

Enquanto o silêncio envolvia a sala de aula, um som específico começou a se destacar: tac, tac, tac, tac. Cada batida da caneta na mesa ecoava de forma nítida e repetitiva, rompendo a névoa dos ruídos comuns do ambiente e cortando o ar com precisão. Cada tac parecia ressoar por toda a sala, gerando uma tensão palpável que afetava apenas uma pessoa. O som revelava um garoto ansioso, cujo tamborilar incessante preenchia o espaço. O ritmo constante das batidas parecia acompanhar o pulsar acelerado do coração da garota, intensificando sua angústia, que ia do peito até as têmporas.

A garota apresentava visíveis sinais de desconforto diante daquela cena repetitiva, carregada de um sofrimento quase insuportável. O som da caneta batendo incessantemente na mesa, sempre pelas mesmas mãos, preenchia o ar da sala de aula, acentuando sua angústia. Cada batida invadia sua mente, amplificando sua agonia. Enquanto tentava lidar com sua misofonia, um detalhe perturbador chamou sua atenção: uma faca reluzente discreta na mochila da colega. Aquela imagem inofensiva evocou pensamentos sombrios e intensificou sua aflição, lembrando-a de sua vulnerabilidade diante dos estímulos ao seu redor. Naquele momento, ansiava por alívio, por um momento de paz em meio ao turbilhão emocional que a assolava. Seus olhos denotavam cansaço, e sua expressão revelava tensão constante. Os fones de ouvido, que costumava usar como proteção contra os sons indesejados, tornaram-se agora um escudo a ser removido, expondo-a a uma tormenta sonora que a consumia. Cada ruído ao seu redor fazia seus músculos se contraírem e seu rosto se contorcer em agonia. Ela desejava se concentrar nas atividades escolares, porém o barulho incessante constituía um obstáculo que a impedia de se engajar plenamente.


A garota sentia a pressão aumentando dentro de si, uma tempestade de ruídos invadindo seu ser. Cada batida de caneta, risada alta e sussurro distante parecia uma faca afiada cortando seus nervos. A tensão em seu corpo crescia a cada instante, até que, num acesso incontrolável de fúria, ela explodiu. Gritou, sua voz ecoando furiosa pelas paredes da sala.


“Calem a boca! Vocês não conseguem entender o inferno que é para mim?!” - vociferou, os olhos cheios de raiva e dor.

Com um gesto brusco, socou a mesa com força, fazendo os objetos tremerem. O impacto fez a faca que estava escondida em sua mochila cair no chão com um ruído metálico, ecoando a tensão que pairava no ar. Os colegas olharam assustados, com expressões de surpresa e receio estampadas em seus rostos. O ambiente ficou impregnado de uma tensão palpável, como se todos segurassem a respiração, aguardando o desfecho daquele momento explosivo. As vozes dos alunos se misturaram em um coro confuso de indignação e surpresa. O conflito se estabeleceu na sala de aula, as emoções à flor da pele. Era como se o caos sonoro tivesse encontrado sua contraparte na turbulência dos relacionamentos entre os estudantes.

Tomada por um acesso de loucura e desespero, a garota viu em sua mente distorcida uma imagem horripilante: ela avançando em direção ao colega com a faca em mãos, seus dedos sendo cruelmente decepados um a um enquanto ela desferia. A cena macabra parecia real, cada detalhe vívido e grotesco. No entanto, à medida que a visão se desvanecia, a garota percebeu que tudo não passava de uma alucinação, um delírio terrível provocado pelo acúmulo de emoções e angústia. Desmaiada, ela jazia no chão, inconsciente, enquanto os colegas, ainda chocados com o episódio, buscavam entender o que havia acontecido e como poderiam ajudá-la. O silêncio pesado pairava na sala, interrompido apenas pelos murmúrios preocupados e abafados que ecoavam entre os alunos.


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