O mito da beleza e sua inação podem ser mais real do que imaginamos.
No livro "O herói de mil faces" de Joseph Campbell encontramos a jornada do herói que pode seguir o destino para encontrar Deus, e este caminho está em diversas culturas e esse deus é diverso, portanto, não há limites para pensar qual deus. Sendo assim, ainda na relação com o herói de mil faces, esse deus é um homem ou mulher cósmico que corresponde as expectativas de seu povo, ou seja, Jesus não tem dentes no país dos banguelas.
Neste viés, encaminhemo-nos para a questão da beleza, que por muito tempo é cultuada e terá em seu tempo e espaço os desígnios da raridade, do elegível arbitrário e do trabalho esportivo, diverso sempre do labor relacionado aos do trabalhador braçal e do escravo. Ou seja, ser gordo é belo em um lugar e tempo de miséria e escassez, ser magro e forte com tons de pele queimada ao sol só é belo quando o período industrial toma lugar dos campos, etc e etc.
Sendo assim, tomemos o exemplo de Afrodite que tinha o poder de embelezar o feio e ainda era a mulher mais bela, sendo deusa, ao vermos suas representações em culturas diversas, a cada uma reconhecemos que ela é uma mulher cósmica, representa o povo do artista nas características físicas e elementos do belo e onde esta representação artística se dá não lhe sobram semelhanças com os povos de outros sítios, cada lugar uma mulher cósmica diferente.
Outro homem cósmico que revela uma disputa de faces é Jesus, que tendo um marco de sua imagem carregada pelos artistas de uma Europa colonizadora, acaba semeando as características de um lugar e um tempo que atravessam a marca e perdura, rompendo com a eloquência das propostas do mito original de sua descendência e de como as pessoas acabam caractrerizando a mesma persona em seu espaço e tempo. MEsmo sendo um homem cósmico, Jesus tem uma iconografia pictórica muito arraigada e carregada fisicamente da europa pelo mundo, depositada nas igrejas pela roma e seus padres que acabam impedindo muita variação das características físicas para relacionar-se com o povo daquele lugar, ainda assim encontramos mudanças e variações.
Campbell demonstra que o herói, em sua jornada segue para a batalha, morre e renasce, mais ou menos nessa ordem, e no caso da busca por deus o encontra, e ao encontrá-lo recebe todo o conhecimento e todo o conhecimento o hamoniza, bota-o em inação e contemplação, e então ele se torna deus por que é parte de deus.
Neste sentido o mito da beleza se estabelece e nos torna como heróis em busca deste deus que é um objetivo e nós precisamos lutar e deixar de ser quem somos para sermos como precisamos ser: pretos, pardos, indígenas, baixos, gordos, magros demais, portadores de necessidades especiais, etc. Tudo precisa sair.
Agora devemos ser como o ser cósmico que é o deus ou deusa do mito da beleza, de preferência branco, heteronormativo, católico, louro dos olhos claros e definido, pois é um colonizador europeu ou americano. Ainda mais de perto, este ser cósmico nos relega os poros que devem ser plastificados, faces e genitais harmonizados, e dedos dos pés também. Silicone na panturrilha e mais, cortar para esticar onde precisar. Todos vão ficando iguais uns aos outros e com o homem e mulher cósmicos do mito da beleza.
O maior dos detalhes é o quesito juventude, afinal como viceja Renato Nogueira em seu livro Mulheres e Deusas "a mais bela entre as belas; mas a escolhida não pode continuar sendo uma obra de arte viva por décadas, a não ser que seja uma imortal grega", pois sim, como se tornar imortal? Esteja na capa de uma revista, em um filme, no youtube, no Tiktok...
Para quem segue a jornada do herói do mito da beleza há a morte de si, deixando a sua individualidade para se tornar parte e harmonia em uma unidade fugaz, conquanto os dois seres cósmicos do mito parecem estar parados ou paralizados de certo modo, eles parecem constelações impossibilitadas de sibilar, e são vistas apenas por uma geração e em certos pontos do planeta, por uma ou duas temporadas. Quando o tempo passa e o céu muda é possível vislumbrar novas constelações se formando, as que ficam na memória dos vivos vão sumindo na pele enrugada, e essas novas começam o ciclo.
As constelações dos mitos mudam, ou seja, os homens e mulheres cósmicos, porém, nunca o mito.Cada um tem o Jesus que merece, haja dito Villanelle em Killing Eve.
| cena de Killing Eve |
Bibliografia
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2005.
NOGUERA, Renato. Mulheres e deusas: como as divindades e os mitos femininos formaram a mulher atual. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017
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