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Manderlay, de Lars Von Trier sob a ótica do contrato social e da cerca de chesterton



Recentemente eu tive a oportunidade de assistir ao filme Manderlay de Lars Von Trier, que é continuação do filme DogVille, mantendo a personagem Grace, filha do gangster, em que eles estão passando pela fazenda Manderley, após sair de Dogville, um resumo que está no google é este

 “Em 1933, uma jovem mulher chamada Grace e seu pai descobrem uma fazenda no Alabama, cujos habitantes vivem como se a escravidão nunca tivesse acontecido. Sentindo a necessidade de ajudar estas pessoas, Grace tenta libertá-las. Com quatro colegas de seu pai e um advogado, ela enfrenta a difícil tarefa de reconstruir o lugar conhecido como Manderlay.”  


Na obra encontramos uma conversa direta com um conceito que eu também descobri recentemente, ao qual eu pedi para que perplexity definisse para nós: 

O conceito da "Cerca de Chesterton" é uma regra simples que sugere que nunca se deve destruir algo, mudar uma regra ou alterar uma tradição sem entender completamente o motivo por trás da sua existência. Essa ideia, popularizada pelo escritor e filósofo inglês Gilbert Keith Chesterton, destaca a importância da humildade antes de criticar ou tentar reformar políticas, instituições, costumes familiares, protocolos de trabalho ou linhas de código em programas de computador. A "Cerca de Chesterton" adverte que agir sem compreensão total das consequências pode resultar em efeitos indesejados, piores do que a situação original que se pretendia corrigir. A metáfora da cerca ilustra a necessidade de cautela e conhecimento antes de realizar mudanças significativas.


Grace quer ensinar aos negros da fazenda a "democracia", o sistema capitalista, elementos que ela entende por liberdade, e para tanto ela fica na fazenda e seu pai vai embora, deixando quatro rapazes armados para “garantir” a democracia.

A família que é dona da fazenda se torna dona de um débito que tem que quitar com o trabalho forçado, Grace e os negros da fazenda dividem a propriedade do terreno e as funções, com documento lavrado pelo advogado, elementos que remetem ao contrato social que falaremos logo à frente.  Grace não sabe como gerir o negócio de algodão, as necessidade da fazenda e os ciclos em geral, ela acredita que a partir do momento em que estivessem livres, sua gratidão e força de vontade os fariam investir tempo, dedicação e força para as melhorias que ela acreditava serem possíveis e necessárias, tudo sob o seu critério e perspectiva.

Ela estabelece um evento de assembleias, discute sobre os consertos das casas e o uso da madeira do jardim da Senhora, a dona da fazenda que morreu quando Grace chegou. Usar esse jardim na demanda do conserto das casas, aparenta uma contravenção à fala da Senhora, visto que ela dizia não haver madeira na fazenda, a utilização das árvores do jardim da senhora foi decidido em conjunto na assembleia, com aval definitivo de Wilhelm, o negro mais velho e de confiança da senhora, e agora de Grace, ao que vê-se no passar do filme, a pessoa mais importante de Manderlay.

Há muitos outros pontos que são levantados e no final das contas sobre o jardim da senhora, acontece uma grande tempestade de areia e fica claro que a família da senhora e os negros sabiam que o jardim era um modo de proteger a fazenda da tempestade. Assim como uma cerca, a cerca de Chesterton.

A cerca de Chesterton fala do fato de uma cerca separar o gado bovino do gado ovino, visto que o ovino (carneiros e ovelhas) come a grama até a raiz, enquanto os bois e vacas consomem a grama pelo topo, o que acabaria gerando um desequilíbrio, e com a cerca há um controle e uso mais adequado dos recursos. Quem não conhece o uso da cerca pode misturar o gado e obter um problema.

Sendo assim, o filme demonstra em vários momentos os modos em que o engajamento de Grace a aprisiona em um sistema de hierarquia que permitia liberdades que para ela não eram valorosas, mas que para os que estavam nele, valia. 

O filme nos leva a refletir sobre o desenrolar dos eventos após a abordagem da escravidão. Não se trata de defender a manutenção da ordem existente, nem de expressar concordância ou discordância, mas sim de analisar o conceito presente e sua aplicação, especialmente em relação ao livro da senhora, que tal qual o contrato do advogado serve de contrato social. Destaca-se o papel do patriarcado, evidenciado pelo fato de Wilhelm ser o criador desse conceito, com olivro da Senhora. Além disso, a questão do contrato social de Rousseau é relevante, e aqui também como anteriormente, solicitado a Perplexity:

Rousseau argumenta que a liberdade natural do homem, seu bem-estar e segurança podem ser preservados por meio de um acordo entre indivíduos para criar uma sociedade e, posteriormente, um Estado. Nesse contrato, prevalece a soberania da sociedade, representada pela vontade coletiva, em contraste com a submissão a um poder autoritário. Rousseau acreditava que a sociedade corrompe o homem, tornando-o escravo de suas necessidades e das pressões sociais, mas via no contrato social a possibilidade de preservar a liberdade natural do homem e garantir o bem-estar coletivo. Esse pacto de associação, não de submissão, é essencial para estabelecer uma sociedade baseada na igualdade, justiça e paz, buscando a concórdia entre os indivíduos que vivem em comunidade.


E assim vemos em Manderley o poder autoritário se estabelecer sob uma sociedade que se baseia em um acordo entre indivíduos, na qual Grace se insere e ao tentar fazer as mudanças, acaba fazendo a mais do mesmo, com outros modos, e enquanto os valores são diferentes, quem paga sempre é a mulher, que é a escrava mais primária em toda a sequência, desde a senhora até Grace.

Perguntei o que perplexity achava que eu podia melhorar aqui, no texto até agora,  e ele me lembrou sobre o elemento autoritário da própria Grace, que usa a força e seus capangas para estabelecer a ordem e o contrato social, e se há um modo que ela quer implementar que se difere do que a senhora e manderlay tinham antes dela, este modo era também diferente do que o pai usava, porém, ao qual ela lança mão, e pode se comparar com um golpe de estado, ou seja, para tomar manderley e tornar manderlay um lugar “livre”, Grace toma o poder das mãos da família, assim que a senhora morre, a senhora no papel de autoridade, e no golpe de estado estabelece um regime autoritarista visando um sistema de vida diferente do que era proposto pela família. 

Ademais, precisamos lembrar que após a morte da menininha, todos decidem pela morte da velha Wilma, que roubava a parte que pertencia à criança doente e morta, na assembleia todos decidem pela pena de morte, ao passo que o estado não desejava a penalidade ovacionada, visto que tinha um objetivo e predileção pela personagem, ainda que pela força da soberania da sociedade, acaba tomando para si o papel de carrasco. 

No sentido da soberania scial, o que resulta está também para o destino da própria Grace, que ao perder sua força armada, é aclamada para o papel original de senhora, ao que ela tentou fugir encontrando com seu pai, que não cumpriu com seu acordo esperando por ela, e acaba desgarrando-se para o norte, levando consigo, metafóricamente, uma demanda de escravidão, como vê-se na narração final. 

Por fim, vê-se através da narrativa e os conceitos levantados que não há como lutar por liberdade sem cercear a liberdade, do ponto de vista adotado é preciso ponderar e entender, ouvir os pares, estabelecer estratégias de contenção de danos, dentre outros tantos elementos, afinal os erros podem assombrar e causar prejuízos sem igual.

Agora, sobre como o patriarcado se dá, temos a família como um conceito primordial, e ele se refere ao direito privado, ou seja, quando Grace chega, o estado, a família e o direito ao bem privado já está estabelecido, ainda que ela acredite que dar o direito ao bem privado em sociedade para as pessoas que estão ali seja o correto, não há nada de novo no horizonte, é a manutenção de um sistema patriarcal que vem aprisionando a mulher desde os primordios de sua prática, Engles trabalha essa premissa e estabelece a ideia de que para o mundo mudar em sua essência, é preciso que a Mulher seja livre. Quando descobrimos que a Senhora era presa em um sistema, e que Grace está presa, assim como vem presa na família, herdada a prisão da mãe, assim como as mulheres da fazenda, todas as cartas estavam marcadas, e o mais honesto de todos era o impostor, que volta e dá os oitenta por cento do valor da safra, o salário da mulher é o retorno da mais valia com desconto, ou seja, não há lucro, assim como acontece com o valor que ela recebe, é apenas a recuperação em esforço infindável daquilo que lutamos para conquistar, sempre em saldo negativo depois de ser roubado, assim como acontece na escravidão, e por isso o impostor é um homem branco.

Na cena da entrega de Grace a Timothy, ela acredita que ele é um homem de um tipo, ao que ele é de outro, a relação sexual ambígua é um estupro, os gemidos são gritos de horror, seu rosto coberto com um lenço branco a separam do companheiro, mantendo-a na ignorância completa. O corpo de Grace continua público, seu pai a deixa, manderlay a afeta e a hierarquiza, o estado perpetua. 


texto de março de 2024



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